A GRANDE ENCHENTE DE 1945 (Por Sebastião Deister)
No dia 26 de março de 1945 – um sábado que amanhecera triste e nublado depois de uma semana de chuvas intermitentes – todos os povoados serranos viram-se repentinamente engolfados pela mais devastadora inundação de que jamais se teve notícia pela região do Tinguá. Naquela infausta data, a Natureza despejou sobre as vilas desamparadas toda sua fúria incontrolável: águas demolidoras assenhorearam-se de tudo, mergulhando várzeas e colinas em um mar de lama e detritos de proporções incalculáveis.
Casas mais humildes foram arrastadas pela corrente implacável e verdejantes plantações desapareceram tragadas por aquela enxurrada barrenta e apocalíptica. Árvores inteiras passavam boiando pelos alagados centros de lugarejos em pânico, reses, aves, cães e outros animais perderam-se no caudal impiedoso, armazéns e bares tiveram seus víveres e equipamentos arrastados para as ruas logo transformadas em caudalosos rios barulhentos e – desolação total! – as Usinas de Vera Cruz e da Manga Larga viram-se engolidas pela enchente diluvial que deixou em seus lugares apenas os escombros dos alicerces de pedra que ousaram resistir ao impacto daquelas águas exasperadas!

Contudo, foi na adversidade que mais uma vez se revelou a fibra do homem da roça e das montanhas. Aos poucos, aqui e ali erguiam-se novas construções, limpavam-se córregos e canais, varria-se o entulho de galhos e plantas, rasgavam-se valetas para o escoamento das águas e da lama, recolhiam-se a abrigos improvisados os animais assustados e as aves extraviadas e cuidava-se para que doenças traiçoeiras e oportunistas não atingissem a população já tão agredida.
Os intimoratos ferroviários da Central do Brasil de pronto seguiram para a Serra, lá recompondo trilhos e dormentes para que o trem pudesse voltar a circular e assim buscar ajuda no Rio de Janeiro. Em meio à azáfama da reconstrução, Ângelo Lagrotta e seus companheiros seguiram para Vera Cruz e auxiliados pela Light – que já oferecia apoio logístico à Usina do local – puseram-se novamente a erguer as instalações da companhia instalada naquela localidade, toda ela também devastada pelo rio Santana.
Como herança da tragédia, ficou para todos apenas uma opção: recomeçar, reconstruir, reviver, pôr-se de pé… E lentamente a Serra assistiu ao ressurgimento de suas cidades de entre os escombros deixados pela ira das águas, refazendo para nós este pequeno paraíso onde hoje vivemos em paz e harmonia com as montanhas.